TANTAS-FOLHAS
Arnaldo Antunes

Corpo-palavra em Arnaldo Antunes – algumas notas 


Arnaldo Antunes
Arnaldo Antunes. Foto: página oficial do artista.

Quando Arnaldo Antunes escreveu o texto para o livro Não, de Augusto de Campos, chamou atenção para um dado que se é fundamental para a compreensão da poesia de Augusto de Campos não nos parece menos para a própria poesia do múltiplo artista Arnaldo Antunes, que afirmou: “entre falar e calar, seus poemas parecem dizer o indizível, por não tentar dizê-lo, mas realizá-lo através da linguagem”. 

Se para muitos poetas a realização primordial é a linguagem, talvez para outros seja um exercício de exaustão e precisão para através dela chegar ao seu máximo no mínimo possível. Os concretistas procuraram essa busca, tendo em Augusto de Campos a voltagem maior. Como um dos letristas dos Titãs, Arnaldo Antunes já dava sinal de uma escrita que pudesse trazer o lema da teoria verbivocovisual, inclusive na postura sonora de se expressar/cantar certas músicas da banda e posteriormente nos seus discos autorais e leitura de seus poemas. A busca por uma sonoridade que se revele na voz e ou na impressão de um poema contribui para dar a ver a importância que a palavra ou mesmo uma sílaba tem em si para essa concretização tão desejada. Talvez seja por isso que o poeta nomeou um dos seus livros de Palavra desordem (2002). É preciso desordenar a ordem das palavras para que elas nas mãos do poeta possam ser ressemantizadas. 

Em muitos poemas e músicas de Arnaldo Antunes o que se percebe é um olhar sensível de quem cuida das palavras olhando dentro delas com uma atenção devida como de um cientista que diante de seu microscópio ou de um telescópio exercita seu olhar demorado para algo minúsculo ou muito distante. Assim, o poeta-cientista mira as palavras para tê-las na sua essência. Em outra formulação poderia (se) dizer que o nascimento de um poema nasce do corpo a corpo com a linguagem. No caso de Antunes essa simbiose é visível nas suas ações corporais e vocais, mas é também no projeto dos seus discos e livros. Aliás, em muitos todo o projeto gráfico é pensado e executado por ele. 

 

Não custa lembrar aqui a conhecida frase: é preciso abrir os ouvidos.

De maneira ilustrativa seguem alguns exemplos de capas e títulos de livros, discos e poemas. Desde o início como em Psia, 1986, cujo título brinca com o feminino de psiu!? Ou que ludicamente brinca ao chamar atenção para a poesia dizendo: psia, psiu, aqui tem poesia. Em Tudos, 1990, se pode ler/ver a beleza e sutileza de um poema que com apenas uma letra (M) somos convidados a completar a leitura e assim vemos a forma do poema se concretizando. No disco Um som, 1998, na capa a foto é o rosto do artista de lado e junto se vê sua mão segurando uma lente de aumento praticamente colada na orelha direita. Já na contracapa, e de corpo inteiro se vê o seu rosto tampado por um alto-falante. Se a lente colada no ouvido é um a peça que sugere que é preciso abrir mais os ouvidos para captar outros sons, de outro se pensa na boca que de trás do alto-falante deseja ampliar esses sons. Não custa lembrar aqui a conhecida frase: é preciso abrir os ouvidos. 

Ainda se poderia estender pelo menos para mais quatro títulos que por si anunciam o interesse para essas junções das quais significantes e significados se ampliam as muitas possibilidades interpretativas desse encontro entre corpo e linguagem na realização verbal, visual e sonora. 

Em Nome, de 1993, uma trilogia composta por livro, CD e vídeo; o livro/disco 2 ou + corpos no mesmo espaço, 1997; o disco O silêncio, 1998; e a trilha sonora para o Grupo Corpo – cujo nome nada mais é que O corpo, de 2000. Todos são indicativos fenomenológicos que confirmam o interesse do poeta numa busca constante de elevar a palavra para os sentidos do corpo humano como o que toca a audição, a visão e o tátil. Se pode frisar que em toda a obra de Arnaldo Antunes algumas palavras se repetem como se elas, e de fato são inseparáveis do corpo e do corpo do artista, pois assim se reforça a ideia de que para Antunes a arte está para o corpo como o corpo para arte. Não à toa que partes do corpo se repetem, sobretudo dos cinco sentidos como: boca, nariz, olho, orelha, pele, e por extensão aparecem mão, dedo, pé, cabelo, umbigo, osso, cabeça etc. Enfim, corpo e palavras se juntam numa performance múltipla para suportes diferentes como os aqui citados. 

No início da década de 1970 o linguista russo Roman Jakobson proferiu uma palestra cujo título é para lá de sugestivo: “O que fazem os poetas com as palavras”. Entre tantas questões levantadas por Jakobson encerra dizendo que “o que dá valor a um poema, convém insistir, é a relação entre sons e sentidos, é a estrutura dos significados — problema semântico, problema linguístico no sentido mais amplo do termo”.

Se muitos procuram no conteúdo uma maneira de alargar os sentidos de um poema poderia ter como uma das leituras considerar que “conteúdo é forma” e “forma é conteúdo”. Portanto, é necessário expandir os sentidos para quem sabe poder mirar as palavras como quem olha dentro delas. Afinal, quem olha guarda e as palavras sentidas agradecem. 

Arnaldo Antunes


O texto é parte integrante da Revista Tantas-Folhas, edição v.1, n.1 (2020)

Mario Alex Rosa

Nascido em São João del-Rei, reside em Belo Horizonte. Graduado em História pela UFOP, mestre e doutor em Literatura Brasileira pela USP; professor universitário. É autor dos livros: Poemas Pitorescos, 2020, Galileu Edições; Casa, Impressões de Minas, 2020; ABC futebol clube, Ed. Aletria, 2015 (Infantil); Via Férrea, Ed. Cosac Naify, e Formigas, Cosac Naify, 2013 (Infantil); Ouro Preto – poemas, Ed. Scriptum, 2012. Casa, Ed. Impressões de Minas, 2020. Contato: marioalexrosa14@gmail.com 

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