TANTAS-FOLHAS
Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais

Caminhos da palavra


 

Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais
Entrada da Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais: estátuas dos “Quatro cavaleiros mineiros do apocalipse”, escritores Fernando Sabino (1923-2004), Otto Lara Resende (1922-1992), Paulo Mendes Campos (1922-1991) e Hélio Pellegrino (1924-1988). Foto: Divulgação/Circuito Liberdade.

Caminhos da palavra. Ao ver a foto da nossa velha biblioteca na Praça da Liberdade, fui invadido por uma lembrança da qual ainda me orgulho, mesmo cinco décadas e meia passadas. Aos 17 anos, como gostava muito de ler, e me dividia entre livros, jornais e revistas, uma compaixão me perseguia. Sendo deficiente físico, eu olhava para os cegos e me constrangia com as barreiras entre eles e as viagens mentais em que sempre embarquei, navegando entre letras, palavras e imagens. E pensava como levá-las aos que nada viam.

Conversando com uma bibliotecária, lá, falei dessa minha agonia. Ela se levantou e pediu que a seguisse. Abriu uma porta, e quando vi as divisórias, ou cabines, municiadas com microfones e gravadores de fitas cassetes, nada perguntei, nem careci de explicações. Naquela tarde mesmo tornei-me um leitor voluntário. Se a memória me poupou, ataquei de Monteiro Lobato. Daí em diante, nem me lembro quantos. Era ter quem me levasse, e lá estava eu.

1966. Paulinho Saturnino, na segunda fila, atrás da menina com arco na cabeça, lê um livro em aula no Colégio Estadual Central. Foto: acervo do autor.

Emocionado quando via uma fita sendo emprestada, ou, ainda mais, quando via um tal usuário, fones nos ouvidos, sorrisos misteriosos na cara, passeando os olhos opacos em descoordenação pelo ambiente. Meio egoísta, eu me sentia mais realizado que o escutador de meus relatos. E me via com a velha angústia amainada. Vivi algo semelhante nos primórdios da internet, quando nos juntávamos, voluntários em precárias redes discadas, com frequência nas madrugadas, para dividir a digitação de obras literárias, e oferecer como arquivos aos primeiros interneteiros. Digitei, por exemplo, Camões, até inchar os dois dedos que uso. Fizemos uma pequena biblioteca gratuita on-line, e as pessoas usavam, e adoravam. Mas, essa é só outra e velha história.

P.S. – Este relato foi inspirado pela coluna “A Biblioteca da Cidade”, assinada por Soraia Magalhães, publicada no dia 24 de novembro de 2020, na Revista Tantas-Folhas.

Paulinho Saturnino Figueiredo

Belo-horizontino da gema, 72 anos, viúvo de um imenso amor, pai de um filho, deficiente físico de vida inteira, professor aposentado do Departamento de Comunicação Social da Fafich-UFMG, sociólogo, pós-graduado nos anos 1970 pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, amante das letras e das imagens, apaixonado pelo América-MG, pela beleza e pela música, em especial o samba e o jazz, vivo de namoricos com novidades tecnológicas e com noticiários em geral.

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