TANTAS-FOLHAS
Biblioteca Teté

Biblioteca Pública Municipal de Tefé, AM


Biblioteca Pública
Figura 1. Fim de tarde, Tefé.

Quando parte da população de uma cidade se mobiliza em prol de uma biblioteca pública é relevante avaliar quais as condições que influenciaram tais posicionamentos, tendo em vista a indiferença por esses espaços culturais em muitas cidades brasileiras. 

O ensejo por tratar nesta coluna sobre o município de Tefé, localizado a 525 quilômetros da capital Manaus, no estado do Amazonas, se deveu ao fato de que a cidade está vivenciando uma pequena luta, mobilizada por iniciativa de um grupo de leitores, por meio de um abaixo assinado (petição pública), que clama pela permanência das atividades da biblioteca municipal e também pela continuidade do trabalho desenvolvido pelo Professor Dijaik Souza, que, atuando na gestão da Biblioteca desde 2013, foi desligado da coordenação logo após a posse do prefeito Nicson Marreira (PTB).  

A mobilização ocorreu por iniciativa do Clube de Leitura Amigos do Livro – CLAL e Associação Vaga Lume Tefé, grupos que envolvem a participação de crianças, jovens e adultos que atuam como voluntários em ações desenvolvidas pela Biblioteca Pública Municipal de Tefé.

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Figura 2. Logo do grupo de Leitura CLAL. Fonte: Change.org.

Por meio de uma Carta Assinada ao Senhor Nicson Marreira, os representantes do CLAL, ao apresentarem reivindicações, contextualizaram vários aspectos, entre eles o processo de formação do grupo:

O clube surgiu em 2014 por iniciativa de cinco estudantes do ensino médio (Rafael, Gabriele, Gerlisbele, Millena e Thiago), com o objetivo de reunir jovens que gostavam de leitura e falar sobre o que estavam lendo, trocar sugestões e indicações de livros.

A Carta destaca ainda a presença da Associação Vaga Lume no município de Tefé:

A Associação Vaga Lume surge em 2002 quando Sylvia , Laís e Fofa visitam municípios e comunidades ribeirinhas do Estado da Amazônia Legal Brasileira, tendo como  finalidade mobilizar crianças de comunidades rurais a partir da promoção  de  leitura e da gestão de bibliotecas como forma de construir espaço de saberes e valorização  da cultura local. 

Há de referendar que um dos grandes diferenciais da Associação Vaga Lume é a dedicação aos processos de capacitação de pessoas para atuar como mediadores de leitura, fator que contribuiu sobremaneira para a formação do Coordenador da Biblioteca Municipal de Tefé. A Carta Aberta, inclusive, justifica que: 

[…] durante todo esse tempo, temos a figura do atual responsável pela biblioteca e representante regional da Vaga Lume, DIJAIK NERY DE SOUZA, como nosso mentor e responsável por ambos os grupos.  Ele foi capaz de unir dezenas de voluntários ao longo desses anos e, não fosse sua empolgação, seu interesse pela leitura e pela cultura e o carinho com todos nós, provavelmente o clube teria continuado restrito à troca de ideias na biblioteca.

Os pontos apresentados na Carta em termos da permanência do coordenador são relevantes, especialmente se comparados a outras cidades no interior do Amazonas, onde os espaços muitas vezes são inexpressivos e as comunidades não interagem com a biblioteca. 

Antes de avançar com dados gerais sobre a biblioteca municipal, acho necessário informar que acompanho desde 2013 as atividades da Biblioteca Pública de Tefé, tendo inclusive visitado o município duas vezes em vista de meus estudos doutorais realizados na Universidade de Salamanca, na Espanha. Minha pesquisa, que se estendeu por 32 cidades do estado, mais a capital Manaus, tornou possível identificar o município de Tefé como o mais expressivo no âmbito do que se pode definir como uma biblioteca pública. 

Em vista do exposto, aproveito o ensejo para complementar outras informações não contidas na Carta Aberta endereçada ao prefeito, entre as quais o fato de que o Professor Dijaik Souza, que tem formação em Curso Normal Superior e Gestão de Administração Escolar (pós-graduação), foi responsável por dar os primeiros passos para a formação da biblioteca pública de Tefé, contribuindo na elaboração dos dados para participação no edital do Programa Livro, do Governo Federal, em 2009. O Programa oferecia condições para que as prefeituras das cidades brasileiras solicitassem Kits de Implantação de bibliotecas, compostos por equipamentos e livros. Apesar do município ter sido contemplado em 2009, era necessário dispor de um espaço físico para dar início às atividades da Biblioteca, ação que só ocorreu efetivamente em 2013 (apesar de o município ter recebido recursos oriundos do Ministério da Cultura para a construção do edifício da biblioteca em 1988, no valor equivalente a 180 mil reais).

O município de Tefé não chegou a contar com espaço próprio para sua biblioteca pública que foi inaugurada na área térrea de uma casa (alugada) e desde então já ocupou outros dois espaços alugados. 

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Figura 3. Espaços que abrigaram a Biblioteca Municipal de Tefé.

Quanto ao desempenho da Biblioteca Municipal de Tefé, o responsável pela gestão, apesar de não possuir formação em Biblioteconomia, passou a despertar a atenção para o ambiente da Biblioteca, por disponibilizar acervo ordenado, por oferecer diversificados serviços e viabilizar ações que iam além do empréstimo de livros. A visibilidade começou a se mostrar mais efetiva com a implantação, em 2014, do projeto Plantando Leitura, Colhendo Conhecimento, que passou a desenvolver encontros com escritores no ambiente da biblioteca, saraus e criação de grupo de leitura. As ações ampliaram consideravelmente o número de frequentadores e os empréstimos de livros, fator que fez com que por iniciativa de Dijaik, a Biblioteca fosse inscrita na oitava edição do Prêmio Viva Leitura em 2016, tendo sido selecionada como uma das finalistas, na categoria Biblioteca Viva naquele ano. 

Da investigação realizada no município em 2013, foi possível constatar que os livros nas estantes estavam organizados por classes e, de acordo com Dijaik, haviam passado por tratamento técnico orientado inicialmente por uma bibliotecária. É preciso apontar que, naquele período, apenas duas profissionais com formação em Biblioteconomia atuavam no município. O acervo, formado inicialmente com dois mil livros, enviados pelo Programa Livro Aberto, foi ampliado por meio de doações e em 2017 era composto por cerca de 8 mil volumes. 

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Figura 4. Estudantes da Rede Pública entre as estantes da Biblioteca, Fonte: Soraia Magalhães, 2013.

O fato de o acervo ter sido organizado e estar disponibilizado com relevante quantitativo em termos de literatura infanto-juvenil, literatura nacional e internacional chamou à atenção dos jovens. Também o setor de referência da Biblioteca contribuiu para favorecer àqueles que adentrassem o espaço se sentissem acolhidos. Em 2017, ao entrevistar Dijaik sobre o trabalho realizado, ele apontou que: 

A gente oferece consulta local, as pessoas vêm aqui para consultar os nossos documentos. Tem o empréstimo domiciliar (empréstimo para levar para casa); tem as visitas monitoradas, as pessoas vêm, as turmas das escolas vêm visitar. Há algumas atividades de extensão, além das crianças virem pra cá, a gente vai também visitar alguns espaços: escolas, hospitais, outras instituições da cidade, a gente faz atividades nas praças, mediação de leitura. Então, nosso trabalho não é só aqui, nosso trabalho também vai ao encontro das pessoas da comunidade.

Tanto em 2013 quanto em 2017, durante as estadas no município, visando acompanhar o trabalho no ambiente da Biblioteca, um dos pontos de maior importância foi perceber a frequência de públicos em diferentes horários. 

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Figura 5. Área interna da Biblioteca Municipal de Tefé em 2017. Fonte: Soraia Magalhães, 2013.

Nenhuma biblioteca pública se torna ativa sem esforços, foi por isso que na tentativa de buscar compreender o problema envolvendo a decisão da prefeitura de Tefé, quanto ao desligamento de Dijaik da coordenação da Biblioteca, busquei informações por meio do bibliotecário Luiz Fernando Correia Almeida, que nos dias atuais reside no município. Referente à petição, Luiz Fernando argumentou que a Biblioteca não estava em vias de encerrar as atividades e que a Secretária (não informou qual) havia designado uma coordenadora para a Biblioteca, e que essa pessoa iria fazer o curso de Biblioteconomia na modalidade Ensino a Distância (EAD), por ser pedagoga. Ou seja, a decisão não teve relação com aspectos legais da profissão, tendo em vista ser a Biblioteconomia uma profissão regulamentada e que requer a presença de um profissional Bibliotecário para o exercício da função.  Ao ser indagado sobre a relevância da atuação de Dijaik à frente da Biblioteca Municipal, Luiz Fernando salientou: 

Sim, hoje temos um enraizamento de bibliotecas no Médio Solimões graças à iniciativa da Biblioteca Pública sob coordenação do Dijaik, sendo Tefé um dos poucos municípios a ter um enraizamento de bibliotecas na área rural. O mesmo fez trabalho com primor para avanço e consolidação das bibliotecas, não somente a pública, mas as bibliotecas comunitárias. Acredito que a sociedade civil e os membros do grupo de leitura irão cobrar ações efetivas como na gestão do Dijaik.

São sete as Bibliotecas comunitárias criadas pela Vaga Lume, localizadas inclusive em comunidades indígenas. Quanto à Biblioteca Pública de Tefé, é um espaço reconhecido no ambiente urbano da cidade, que presta homenagem a Protásio Lopes Pessoa, professor de história aposentado, personalidade nascida no município. A biblioteca funcionava nos horários das 07 às 11:30 e de 13 às 17:30, de segunda a sexta-feira. 

O abaixo assinado elaborado pelos integrantes do CLAL, em poucos dias ganhou a atenção de quase 1000 pessoas. Eu mesma, devo confessar, me senti mobilizada em pensar mecanismos que possam contribuir para que essa biblioteca não perca o espaço conquistado. Deixo aqui as palavras finais contidas na Carta Aberta endereçada ao prefeito pelos integrantes do CLAL:

[…] pedimos que considere a permanência do então responsável DIJAIK NERY DE SOUZA para que, juntamente a ele, possamos manter e planejar mais atividades do CLAL e da Vaga Lume em nosso espaço que é a biblioteca, pois estes grupos certamente são exemplos em voluntariado e disseminação de cultura e sua permanência virou um dos elementos identitários da nossa cidade.

Apesar de as bibliotecas públicas serem os equipamentos culturais mais presentes nos municípios do Brasil, mesmo sem contar com grandes investimentos algumas resistem ao tempo e ao descaso e, muitas vezes, graças à dedicação de seus gestores e da comunidade, sobressaem propiciando condições para que outros possam usufruir de acesso à informação e à cultura. No caso da cidade de Tefé, sem Dijaik talvez a biblioteca municipal não existisse, ou quem sabe seria como a maioria das bibliotecas em cidades amazonenses, apáticas, restritas e tão somente guardadoras de livros. 

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Figura 6. Atividades do CLAL em 2020. Fonte: Dijaik Costa.

…….

Enquanto escrevia essas linhas, tomei conhecimento de que os integrantes do CLAL encerraram no dia 13 de janeiro de 2021 a petição pública. Talvez por pressões políticas, talvez por medo de represálias, não foi possível saber. Diante de tal contexto, lamento o destino da Biblioteca Municipal de Tefé, já que o Prefeito Nicson Marreira sequer apresentou em seu plano de governo qualquer proposta de gestão para o campo da biblioteca, do livro e da leitura no município. 

 

Referências:

ALMEIDA, Luiz Fernando Correia. [Sobre Coordenador da Biblioteca Municipal de Tefé]. WhatsApp. 10 jan. 2020. 15:08. 1 mensagem WhatsApp 

SOUZA, Dijaik. Dijaik Souza: depoimentos [fev. 2017]. Entrevistadora: S. Magalhães, 2017. 23 min. Arquivo mp3. Tefé: Entrevista concedida para composição de estudos sobre Biblioteca Pública nos municípios do Amazonas.

Permanência das atividades da Biblioteca Municipal de Tefé e do Coordenador Dijaik Souza. Charge. Org. Disponível em: https://www.change.org/p/prefeito-nicson-marreira-perman%C3%AAncia-das-atividades-da-biblioteca-municipal-de-tef%C3%A9-e-do-coordenador-dijaik-souza?recruiter=920682058&utm_source=share_petition&utm_campaign=psf_combo_share_initial&utm_medium=whatsapp&utm_content=washarecopy_26699064_pt-BR%3A4&recruited_by_id=167f1c50-f83e-11e8-9b9a-4fc8489669c2. Acesso em: 6 jan. 2021.

Soraia Magalhães

Soraia Magalhães é amazonense, escritora de livros infantis e viajante frequente. É criadora do blog Caçadores de Bibliotecas, espaço onde vem apresentando ao longo de mais de 10 anos, informações sobre ambientes culturais diversos do Brasil e outros países. No âmbito acadêmico tem formação em Biblioteconomia e Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia, ambas pela Universidade Federal do Amazonas.  No momento atual, desenvolve estudos junto ao Programa de Doutorado Formación en la Sociedad del Conocimiento , pela Universidad de Salamanca, Espanha com tese que analisa a condição da biblioteca pública no estado do Amazonas. Ver mais Bibliografia Soraia Magalhães

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