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Fundeb. Senado rejeita proposta indecorosa da Câmara: R$ 16 bilhões da educação pública seriam desviados para escolas privadas


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Foto: CartaCapital.

Em 10 de dezembro, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei 4372/2020, que regulamenta o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb -, representou uma imensa derrota para a educação básica pública brasileira. Além de ferir princípios republicanos, o PL aprovado, agora rejeitado no Senado, agredia a Constituição Federal, porque afrontava o §1º do artigo 213. 

Art. 213:  “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I – Comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II – Assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas em cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. ”

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Imagem: charge, Erasmo.

O PL 4372, portanto, ofende a Constituição Federal. Por quê?

Porque a tese de que faltam vagas na rede pública não se sustenta e gestores públicos não conseguirão comprovar a insuficiência de vagas. E se provarem, poderão ser acusados de crimes de responsabilidade. A Emenda Constitucional 59, foi aprovada em novembro de 2009 e não alterou o artigo 208, ampliando a educação básica obrigatória e gratuita para todos e todas dos 4 anos aos 17 anos de idade. 

E determinava que os estados e municípios teriam até 2016 para garantir as matrículas. Ora, se um gestor público, em 2021, alegar que não tem vagas para atender a matrícula, que deveria ter sido garantida há 4 anos, este gestor está assumindo que descumpriu a Constituição Federal e cometeu crime de responsabilidade. Logo, não existe necessidade de ampliar o conveniamento para a universalização, que foi consumada desde 2016.

Art. 208. § I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR) § VII atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.”

A CF atribui a prestação do ensino obrigatório ao Estado, e que deve ser universalizante, igualitário e inclusivo, características que não constituem propósito típico da inciativa privada.

Em um debate há uns 5 anos, entre gestores públicos e empresários, um dos representantes dos empresários disse que a escola pública era ineficiente, improdutiva e que deveria ter a gestão privada como inspiração. Uma das gestoras públicas presentes perguntou: “Quando a sua empresa dá prejuízo, o que o senhor faz? ”. E ele respondeu prontamente: “Demito funcionários e corto gastos”. E ela continuou: “Pois, então, quando a arrecadação do município diminui, eu não posso, como secretária, demitir as crianças da creche, nem cortar merenda ou transporte”.

Parece um argumento simples, mas mostra a complexidade da gestão pública, cujo norte é atender a todos e todas, sem distinção. Até porque se não fizer assim, poderá ser processada.

A Constituição atribui a prestação do ensino obrigatório ao Estado, com caráter universalizante, igualitário e inclusivo, características que não constituem propósito típico da iniciativa privada que, a despeito disso, tem oportunidade de explorar a atividade educacional regulada (art. 209).

 

Cálculos feitos por especialistas indicam que pode haver uma perda de R$ 16 bilhões para as escolas públicas.

 

E a necessidade mais urgente na educação básica obrigatória brasileira é a de qualificar as escolas públicas e valorizar o magistério, composto de servidores efetivos. Caso sejam drenados recursos públicos para entidades privadas, como escolas religiosas, filantrópicas e (pasmem!) até o Sistema S, já fartamente financiado com recursos públicos vindos do salário educação, a rede pública tende a ser precarizada e desvalorizada.

Com as emendas aprovadas ao final da votação da regulamentação do Fundeb na Câmara dos Deputados, cálculos feitos por especialistas indicam que pode haver uma perda de R$ 16 bilhões para as escolas públicas, com esses recursos sendo desviados para escolas confessionais e filantrópicas. Além disso, o pano de fundo é o financiamento da expansão de bases de doutrinação religiosa (e política) com vistas a 2022. Grave perigo para a educação e a laicidade.

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Imagem: Fundeb/Divulgação. Via Diálogos do Sul.

Do jeito que foi aprovado na Câmara dos Deputados, esse Projeto de Lei atendia muito mais aos interesses privatistas dos negócios da educação do que a interesses públicos.

Felizmente, em 15 de dezembro, o Senado aprovou a proposta encaminhada pelo PT e rejeitou a manobra ilegal e indecente da Câmara. Afirmaram que todos os recursos do Fundeb devem ser destinados à educação pública, como está na Constituição Federal. 

Agora, é importante que todos e todas escrevam aos deputados para pressionar e informar a esses representantes do povo brasileiro que a proposta deles para o Fundeb é um absurdo: o presente e o futuro de milhões de crianças e jovens estão correndo o risco de serem jogados no abismo.

 

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Pilar Lacerda

Graduada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialização em Gestão de sistemas Educacionais/PUC-MG. Professora de História em escolas privadas e públicas de 1976 a 2001. Diretora do Centro de formação de Professores da Prefeitura da Cidade de Belo Horizonte. Secretária municipal de Educação da cidade de Belo Horizonte – 2002 a 2007. Presidente Nacional, da União Nacional dos Dirigentes municipais de Educação - 2005 a 2007. Secretária Nacional de Educação Básica do Ministério da Educação – 2007 a 2012. Diretora da Fundação SM/Brasil – 2012 a 2020.

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