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Varre-Sai

Varre-Sai. Você conhece?


Varre-Sai

Todos cantam seus cafundós, também vou cantar o meu. As saracuras que aqui gorjeiam não gorjeiam para os lados de lá. Os preás e os tatus assinalados estão bem aquém da Taprobana. Logo, vosmicê já sabe: é longe, mas nem tanto. Você pega a subir, subir, subir montanhas e encontra um povo que gosta de dançar:

Jammo, jammo, ‘ncoppa jammo ja’,
Jammo, jammo, ‘ncoppa jammo ja’.
Funiculí – funiculá, funiculí – funiculá,
‘Ncoppa jammo ja’, funiculí – funiculá.

Também fazer vinho de jabuticabas, pães italianos e plantar café. Teve puri na região: deixou descendentes com olhos cor de mel e alguma sabença das ervas da floresta, o mesmo com o negro e o sírio-libanês. Com os portugueses formaram uma mistura das boas. Os varressaenses, ou seja, nascidos nas alturas da Serra do Monte Azul, cidade de Varre-Sai, nos confins do estado do Rio de Janeiro, onde nasceu Baden Powell, o violonista e compositor, é uma comunidade que emergiu das histórias dos tropeiros. Conto como dizem que foi.

Havia uma senhora, que a tradição oral costuma amar e reverenciar: Inácia, cuidadora de um rancho. Hospedava as tropas no bem-bom, isto é, no modo gratuito de ser. Exigia que, ao partir, deixassem limpo para as tropas vindouras.

– Para aonde você vai?

– Ah, vou pro rancho do varre-e sahe! Buscar café. Poaia também, se houver.

E assim, aconteceu, segundo nos contaram os bisavós, avós e pais. Dos tropeiros ainda se guarda, aqui e acolá, uns linguajares rudes, expressões anacrônicas e palavras inesperadas. Quase um sertão geral de Guimarães Rosa, nosso abençoado. Mas com sotaque carioca, mineiro e capixaba. São os burros da tropa, puxados pelo sino da madrinha, a transportar saudades.

Na Varre-Sai, de hoje, nada de tropas. Elas são fotografias nas paredes, sem dores. A cidade busca se comparar com a metrópole, já temos youtubers de sucesso. E um café, minino, sempre premiado, até internacionalmente, olha que chiqueza! Povim metido de bom! Uns doces, uns pães, uns bordados, tudo elaborado sob o aroma dos cafés finos e achocolatados. Não conheço melhores, deixai-me que diga.

Há alguma estrutura de turismo rural. Belas pousadas. Clima agradável e ameno (já foi mais). Do passado, ainda permanecem diversas edificações coloniais, compondo uma das cidades do Noroeste mais preservada em sua arquitetura. Pedrais, telhados com guieiros, baldrames, paredes de sopapo ainda podem ser vistas ornando o que aqui denominam de corredor cultural. E as glórias-das-manhãs enfeitando as estradas de roças, naturalmente nascidas e abençoadas: nossas alegrias.

Mas para oferecer um spoiler das belezuras deste cafundó, precisa conhecer as montanhas. Vai lá no Morro do Santo Cristo! Te conto: mais bonito que na Serra do Caparaó, Pico da Bandeira, de avistamentos distantes. E as floradas de café, brancas noivas casadouras, um festival de alvura, perfume e orgulho dos agricultores.

Gostas de passarinhos? Ah, tem sinfonia. E galos madrugadores, seriemas que anunciam chuvas, bacuraus, laçaris e, nem sei, até onça já viram. Eu não, que não ando em bocas de matildes horas madruguentas pelas matas, mas falam por aí, olhos brilhantes sob lanternas ou faróis.

Mas nem tudo são flores e andores. Terra de lonjuras, propícia pro povo falador, minino, haja! Não faço fofocas, mas aquele senhor da esquina, o mau pagador, dizem que é fascista e votou no Esconjuro! Mais nada digo, que faço ouvido pouco (ou é mouco?). Sim, tradição divertida das roças. Mas, dizem, onde o povo é fofoqueiro, mais solidário. Quem nos socorre é a vizinha faladeira. Coisa de um Brasil profundo, profundo mesmo, coisas de cafundó. Que ora desfio para vosmicês e de onde escreverei algumas palavrinhas soltas todo mês. Sabe como é gente fofoqueira, sempre tem assunto. Deus esteja!

 

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Jose Antonio Abreu de Oliveira

Nasceu no interior do estado do Rio de Janeiro, em Santa Clara, distrito de Porciúncula. Atualmente, reside em Varre-Sai. Cirurgião-dentista. Mestre em Saúde Pública pela FIOCRUZ, apaixonado por literatura brasileira e pelos clássicos universais, assim como pela cultura popular, a fala e os costumes do povo. Tem um livro lançado (Crônicas Velozes), publicações em livros coletivos, blogs de cultura, jornais e revistas. Primeiro prêmio de poesia da Fundação Pascoal Andreta. Tem 65 anos e até hoje vasculha as roças procurando jabuticabas, causos e mexericas.

9 thoughts on “Varre-Sai. Você conhece?

  1. Estréia promissora. Em estilo lapidar, atrevido e bem-humorado, José Antônio Abreu de Oliveira entra com o pé direito nesse território de livre pensar que é Tantas Folhas. Bem vindo à equipe de colaboradores e entre varrendo com energia, sem pensar em sair.

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