TANTAS-FOLHAS

Entrevista com Jaider Esbell, artista e ativista indígena: “Nós somos essencialmente guerreiros.”


19 de abril é, oficialmente, o Dia do Índio

No Brasil, não há nada para comemorar. Pelo contrário, há muito para denunciar sobre as ações destrutivas do “governo” ou desgoverno Bolsonaro em relação aos povos originários. De todo modo, tanto sua política interna quanto a externa têm sido desastrosas para quem habita esse enorme território, e vergonhosas aos olhos de quem está em países das Américas, da Europa, da Ásia, da África, da Oceania. Um vexame mundial.

Em apoio às causas dos índios brasileiros, Tantas-Folhas publica esta entrevista com Jaider Esbell, artista e uma das muitas lideranças indígenas que lutam há anos, diariamente, por seus legítimos direitos à terra, à vida.

Jaider Esbell com algumas de suas obras.

Em 1994, aos 15 anos, você foi premiado com um desenho em concurso realizado na aldeia Kanauanin, Cantá, em Roraima. Foi a partir daí que chegou à conclusão de que era artista e queria viver de arte?

Esse foi um episódio que marcou muito a minha trajetória e que demorei mais de duas décadas para compreender a sua significância. Estava em uma comunidade indígena reunido com pessoas não indígenas, que eram na verdade a presença da igreja católica em nosso meio. Era um congresso de catequistas indígenas, e, embora estivéssemos em uma comunidade, não eram nossas práticas tradicionais que estavam sendo enfocadas. Nesse encontro de catequizadores, nós mesmos estávamos trabalhando a nossa própria cristianização. 

No meio do evento surgiu a ideia de um concurso de desenho.  Como eu já desenhava desde a infância, vi a oportunidade de praticar e mostrar minhas habilidades artísticas. Desenhei uma mulher indígena dentro de um lago, sem a interferência dos traços e signos coloniais. A imagem agradou aos jurados, que me elegeram vencedor e o prêmio foi uma panela de barro, uma arte específica das mulheres. Que eu me lembre, foi a primeira vez que recebi um prêmio e um prêmio muito original. 

Hoje, analisando esse episódio, posso ver que muitas mensagens estavam contidas ali. Uma das mais marcantes foi a dessa necessidade de me afastar da prática de cristianização de meus parentes e ver um mundo muito mais promissor, com a elevação de nossa essência enquanto estado da arte de ser e estar no mundo como parte de um povo inteiramente integral e não carente de algo como a ideia de um Deus único, como é a conclusão das igrejas cristãs. 

Senti o chamado para o mundo das artes muito cedo, ainda na infância. Por falta de um ambiente propício, fui me descobrindo artista aos poucos, e todas as passagens da minha vida foram passos que se somaram até eu entender que aquela vontade de atravessar os mundos postos era de fato o que se pode chamar de formação de uma autoconsciência.   

 

Em 2009, tivemos uma vitória importante, reconquistamos no campo jurídico o direito ao usufruto de parte de nosso território.

 

Historicamente, desde que os europeus chegaram às Américas, e aqui se fixaram, os povos indígenas têm sido catequizados, agredidos, perseguidos e assassinados, além de ter muitas de suas terras tomadas pelos invasores. No Brasil, a partir da eleição de Bolsonaro, a condição do índio parece ter chegado a um limite desesperador: Amazônia e Pantanal queimaram e abriram espaços à força para serem ocupados por soja e bois pertencentes a grandes empresários; reservas foram invadidas por garimpeiros, grileiros, madeireiros; ocorreram assassinatos; e a maioria dos povos indígenas foram abandonados à sua própria sorte em relação à Covid-19. O que o povo Makuxi tem feito para enfrentar e superar esta situação?

Os makuxi estão em contato com o mundo europeu desde antes da chegada dos portugueses pelo litoral baiano. Somos povos caribenhos e nossa geopolítica envolve estratégias próprias de abertura de mundos. Somos um povo que imprimiu sua presença entre outros povos, que marcou sua presença na conquista e domínio de território. Estacionamos provisoriamente na fronteira com o Brasil, a Guiana e a Venezuela, mas não paramos de seguir nosso percurso. A força colonial foi muito severa sobre nossos antepassados e por longo período ficamos resistindo no meio das montanhas, nos passos e praças deixadas por nosso avô criador, o Makunaimî. 

No final do século 19 e início do 20, nossos caciques começaram uma luta que chegou aos dias atuais. Assim nasceu a grande luta para além da resistência. É iniciada a luta por retomada de nosso território ancestral, de nossa língua e cultura propriamente dita. Em 2009, tivemos uma vitória importante, reconquistamos no campo jurídico o direito ao usufruto de parte de nosso território. Hoje, temos a Raposa Serra do Sol, onde fica a maior parte de nossa população. Lá vivem ainda muitos anciões conhecedores e também muitas crianças, enquanto que parte de nossa juventude está buscando levar adiante a nossa luta para avançar no mundo. 

[2013. 1º Encontro de Todos os Povos. Boa Vista – Roraima.]

A Covid aparece como um fator complicador não só para meu povo, mas para toda a humanidade. Lá na reserva ficamos mais isolados, embora esse movimento de deslocamento para a cidade tenha sido um fator complicador, pois perdemos alguns de nossos sábios. Por outro lado, a dificuldade em termos atendimento adequado de saúde por parte do estado levou o nosso povo a se fortalecer preventivamente com a revitalização de práticas espirituais (pajelanças, rezas, benzimentos) e também com a medicina tradicional. Redescobrimos o poder medicinal das plantas e a capacidade de nos fortalecermos espiritualmente por meio de dietas. Ainda no campo da vigilância e do controle, temos equipes de agentes de proteção que monitoram a entrada de pessoas estranhas às nossas comunidades. Todas essas práticas têm surtido bom efeito na defesa de nosso povo contra essa doença.

A Arte Indígena Contemporânea está provando ser uma força. Esta é uma forma que você e outros artistas encontraram para sair da invisibilidade e escapar das armadilhas que foram impostas aos povos originários desde a invasão dos portugueses em 1500?

Nós somos essencialmente guerreiros. A essência do nosso existir é, e sempre será, a elevação de nossos valores. Muitos de nós que hoje nos entendemos como artistas estamos em um processo muito especial de ressignificação de nossa luta maior. Ou nem seria uma ressignificação, mas enquanto somos postos estrategicamente como investigadores de mundo, é o mundo branco que devemos decodificar. Já estamos em contato com algumas superfícies dessa sociedade, mas o nosso movimento político precisa alcançar espaços que ainda não tínhamos tido a chance. O mundo da arte, tal como nos é apresentado, é muito restritivo e não poderíamos adentrar nele sem as bênçãos e proteções de nossos guerreiros encantados. Costumo dizer que toda exposição de arte indígena nesses tempos deve ser antes de tudo um movimento coletivo de denúncias e anúncios. Denunciamos a continuidade da colonização e anunciamos que enquanto seres vivos somos muito ativos em criatividade, e que temos um ou mais sistemas próprios que operamos segundo nossos próprios valores. É um campo para trabalharmos as agendas positivas, um lugar onde a gente pode sorrir e estar orgulhoso de nossas belezas. É um mundo que decide se aproximar numa outra abordagem, algo diferente da invasão impositiva. Estamos aprendendo a lidar com essas aberturas de sensibilidades.

2019. Ação política em Genebra, Suiça.

Como artista, seu trabalho é premiado, conhecido e respeitado por muita gente no Brasil e no exterior, e você se apresentou com sucesso nos EUA e em vários países europeus. Fale dessas suas participações no estrangeiro e do seu desejo de socializar sua arte. 

Estive na Europa pela primeira vez em 2013. Já havia iniciado a minha fornada aqui no Brasil e decidi fazer essa viagem como parte de uma pesquisa. Conheci diversos museus, templos importantes onde estão boa parte da produção do sagrado de diversos povos indígenas ao redor do mundo. Nessa primeira viagem fui recebido pelo diretor a Fundação Cartier, em Paris. Levei uma obra para deixar naquela instituição. Esse ato de ir para a Europa e prospectar com recursos próprios, para mim tem uma nobreza exatamente por não chegar lá como chegaram meus parentes anteriores, que foram levados como seres exóticos e, de uma certa forma, até como uma espécie de troféu para ser exibido pelo colonizador ao seu reisado. 

Quis entender um pouco a lógica dos museus, entender o enfoque que vem sendo dado aos povos indígenas ao redor do mundo. Ainda em 2013, fui convidado a dar aulas nos Estados Unidos e aproveitei a ocasião para propor que o projeto também acolhesse uma exposição coletiva de arte indígena, resultado de minha primeira curadoria ainda no universo de Roraima. Aconteceu o curso, foi um sucesso poder trabalhar nossa cosmovisão em um país que pouco conhece seus próprios povos originários. Fizemos a exposição e pude perceber a diferença que faz quando temos noção de que, enquanto artistas indígenas e guerreiros estando em um campo novo de ação, devemos ser ainda mais polivalentes. É dado início a um trabalho silencioso e que pouco aparece, mas que é fundamental. É uma participação ativa na produção de conteúdo epistemológico. Adentrar nas bases dos pensamentos filosóficos em universidades europeias e norte-americanas é um passo essencial. 

Retornei aos Estados Unidos anos depois para participar, junto com o Denilson Baniwa, de um seminário chamado Poéticas amazônicas, onde trabalhamos diretamente com destacados pesquisadores, gente que mantém laboratórios naqueles países. Estivemos em Princeton abrindo campos para parcerias futuras. Queremos ao longo da jornada ajudar a formar nossa juventude, tanto indígenas quanto pesquisadores não indígenas comprometidos com nossas causas. Em 2019, estive em Toronto, Canadá, para o seminário chamado Amazonian – Ártico, que reuniu em uma galeria artistas indígenas, curadores e pesquisadores da Amazônia e do Ártico para traçar relações mais diretas das nossas cosmovisões em relação aos efeitos do aquecimento global. Fui convidado a integrar uma grande exposição, em 2020, com destaque para o meu trabalho, mas foi adiada por causa da pandemia. Ainda em 2019, fiz um percurso de 40 dias de artivismo (arte + ativismo) na Europa, numa articulação direta com organizações de defesa dos direitos humanos e da natureza. Eu, Daiara Tukano e Fernanda Kaingang percorremos 10 países e fizemos uma série de trabalhos:  palestras, reuniões em parlamentos, exposições e pintura de murais, além de diversas reuniões em museus para tratar da repatriação de peças sagradas dos povos às suas origens.        

Jaider e o escritor Davi Kopenawa.

Em Roma, durante as filmagens do longa-metragem Amazonian Cosmos, do diretor suíço Daniel Schweizer, você foi recebido pelo Papa Francisco. 

Visitar o Papa Francisco era uma vontade do Davi Kopenawa Yanomami, que não conseguiu acompanhar as filmagens. Então, convidei minha mãe e mestra Bernaldina para me acompanhar nessa missão. O filme tratava, em princípio, de um esforço para levar especialmente à sociedade europeia a percepção de mundo ou as cosmovisões dos povos da floresta. Davi escreveu junto com seu parceiro de pesquisa, o antropólogo Bruce Albert, o livro A queda do céu. Trata-se de um trabalho minucioso, de mais de 20 anos de pesquisa, que é tido por parte da comunidade científica internacional como uma obra única, exatamente por trazer com muita clareza o estado apocalíptico que estamos vivendo e as causas básicas para esses efeitos. 

Não escapei de ser batizado, nasci em uma família católica e passei a me desinteressar pela igreja e seus dogmas ainda na juventude. Como artista, passei a ver essa relação com a igreja como uma chance de fazer o meu trabalho nesse universo. Tivemos reuniões com o alto clero no Vaticano. Ouvimos a reafirmação da igreja em estar mais combativa contra os Estados e seus esforços de genocídio, ecocídio e roubo de terras para exploração mineral e demais atividades predatórias. O Davi mandou o seu livro autografado, que entreguei em mãos ao Papa, junto com outros presentes e uma carta com denúncias atualizadas e um pedido de apoio político daquele líder para as questões gerais dos povos indígenas ao redor do mundo.          

 

A escola é uma violência. As igrejas neopentecostais são violentas, as Forças Armadas, as secretarias e os sistemas de saúde também o são. Por fim, a maior violência talvez esteja disfarçada de partido e de poder político.  

 

Nesses tempos difíceis que a humanidade está passando, o Papa Francisco tem sido uma das raras figuras públicas a fazer pronunciamentos sensatos, progressistas, na contramão de discursos misóginos, homo fóbicos, racistas, fundamentalistas e negacionistas feitos por pessoas e grupos fascistas, nazistas, de direita e de extrema-direita no mundo e, em especial, no Brasil. 

Sabemos que a estrutura da igreja é constituída por várias correntes políticas e parte delas é mesmo um pouco de tudo isso que foi citado acima. O discurso do Papa Francisco chega a incomodar muita gente da igreja, exatamente porque confronta antigos valores de dominação, como a própria imposição da fé como domínio de território e tomada de recursos.     

Apesar de o Papa Francisco iluminar caminhos melhores para a humanidade, a História mostra que ações da Igreja Católica no mundo contribuíram para o extermínio da cultura de muitos povos, inclusive dos índios brasileiros.  

Exatamente, sei bem disso e tenho falado para meus parentes sobre esse fato. Mas acontece que parte da igreja de hoje ainda é uma organização muito poderosa no mundo político e para nós é mais estratégico que ela esteja ao nosso alcance como uma possibilidade de aliança. Conhecer essa parte condenável da igreja para nós também é uma informação privilegiada. De posse disso podemos argumentar, cobrar outros empenhos como o que fizemos em nossa visita ao Vaticano. Precisamos de mais padres e freiras com espírito de guerrilheiros. A nós só interessa uma relação com liberdade, onde possamos praticar nossa fé para o momento presente; e o que é exigido por nós é muito mais uma luta para garantir o nosso lugar na Terra do que um possível lugar no Céu ou em um Paraíso prometido.  

2017. Jaider e parentes em ação na ONU.

Em 9 de julho de 2020 você publicou o texto A Arte Indígena Contemporânea como armadilha para armadilhas. Nele, você afirma: “Eu nasci no final do regime ditatorial. De certo modo, fui um privilegiado, pois nasci no berço da violência, e assim pude ver a sua cara como a primeira paisagem”. Do seu nascimento, em 1979, até os dias de hoje, a violência só fez aumentar. Como é a cara da violência, hoje, no Brasil?

A violência para muitos dos meus parentes permanece a mesma, exatamente a mesma de 1500. Para muitos povos que ainda vivem plenamente no meio da floresta, o navio do “descobrimento” continua avançando continente adentro. Imagine você estar vivendo a sua vida em harmonia com seu habitat e, de repente, surge do nada um indivíduo que você nunca viu, portando máquinas e armas poderosas. Assim é a vida de muitos povos que ainda vivem na imensidão da floresta. Para eles, o que aconteceu em 1500 no litoral, só está acontecendo agora. Essa violência se mantém igual. Outras formas de violência estão nas seguidas negativas do estado brasileiro em não cumprir com suas obrigações definidas na Constituição Federal de 1988: o direito à autonomia, ao usufruto exclusivo do território e da cultura. O marco temporal que está sendo julgado é uma forma cruel de violência, pois tenta desconectar de nós nossa ancestralidade, passando a considerar nossa existência apenas a partir de 1988. A escola é uma violência. As igrejas neopentecostais são violentas, as forças armadas, as secretarias e os sistemas de saúde também o são. Por fim, a maior violência talvez esteja disfarçada de partido e de poder político.  

Em 2013 você participou, em Belo Horizonte, da exposição internacional iMIRA! – Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas, com artistas de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, promovida pela UFMG. Como tem sido sua relação afetiva com a cidade?

Tento construir uma relação crítica com as pessoas daqui. Tenho buscado alertar sobre o quanto degradado está o meio ambiente aqui em volta. É uma cidade que, infelizmente, ainda dá suporte e estrutura à atividade mineradora. Há uma fragilidade que não é percebida. É um local muito vulnerável aos fenômenos naturais. Mas tem uma universidade forte, a UFMG, que tem sido pioneira em muitos aspectos quando se trata de acolher os saberes tradicionais. Além dos atrativos do lugar, tenho alguns amigos que vivem aqui, o que me faz ter o desejo de voltar mais vezes e estar mais presente em Belo Horizonte.

2013. Jaider com obra da exposição iMira!

Você também manifesta sua criatividade por meio da escrita. Em 2010, foi premiado em concurso de poesias do Sesi, e Funarte/Minc lhe deram uma bolsa de estímulo à produção literária. Em 2012, publicou dois livros: Terreiro de Makunaima – Mitos, Lendas e Estórias em Vivências, destinado ao público infanto-juvenil, e Tardes de Agosto, Manhãs de Setembro, Noites de Outubro. Está escrevendo outros?

As narrativas podem e devem encontrar outros caminhos para estarem acessíveis. Eu fui alfabetizado em casa à base de palmatória. Fui treinado a ler, interpretar e produzir textos desde muito criança. A primeira leitura que faço é a leitura do meu mundo, a minha origem e a nossa capacidade de estarmos em um ambiente influenciado. Soube que, antes, os nossos pajés contaram nossas histórias para pesquisadores e exploradores europeus. Considerei que essas estórias, embora anotadas com muitas ressalvas, eram estórias que nos pertenciam. Fui investigar, e a bolsa que ganhei foi um bom motivador para marcar presença no universo da autoria. Nunca deixei de escrever, embora tenha produzido muito mais material ensaístico que obras compiladas no formato de livro. Tenho publicado muito em revistas científicas e de arte, e também no meu site, como uma forma de liberdade autoral que ainda é difícil de se ter quando trabalhamos com editoras. Estou com um livro pronto, Antes do céu cair, que aguardo um bom momento para edição. Tenho projetos literários em andamento, mas por ora estou privilegiando outras linguagens.    

FESTIVAL CURA 2020 – Circuito Urbano de Arte. Obra “Entidades” de Jaider Esbell. Foto: Instagrafite.

Em outubro de 2020, no Festival CURA – Circuito Urbano de Arte, você instalou a obra “Entidades” (escultura inflável com duas cobras gigantescas) sobre o tradicional Viaduto de Santa Tereza, em Belo Horizonte. O que o motivou a criá-la e qual o seu significado?

Acredito que a intolerância religiosa, que é política e cultural, foi um bom motivador. O local foi uma proposta do festival e ao ver as fotos do local as cobras apareceram na minha imaginação. As pessoas esquecem que antes de se tornarem cidades esses lugares são sagrados, pois são moradas antigas, são cemitérios, isso também me chamou a atenção. Esse viaduto é um importante cartão postal da cidade, por onde circula muita gente. Lugar também onde parte da população periférica sobrevive na invisibilidade, embaixo dele. “Moradia” propícia para o crescimento da violência e da tentativa de evangélicos dominarem mais e mais espaços. É um lugar forte, por onde sai boa parte de nossas montanhas trituradas na forma de matéria bruta e seguem para os portos em trens, numa atividade tão antiga, mas que causa danos irreversíveis ao nosso mundo. Imaginei que se eu colocasse as entidades ali, naquele ponto, seria uma forma de trazer recordações à nossa memória. Embora não consigamos ver com os olhos biológicos, sabemos que esses guardiões continuam defendendo a vida dos demais seres, como as montanhas, os campos, as florestas e os rios, por exemplo. Pela repercussão que deu, tive a certeza que foram as próprias entidades que escolheram aquele ponto para “aparecer”.     

Essa obra causou polêmica na cidade. Além de sofrer ataques de fundamentalistas religiosos e ideológicos, houve notícias falsas que, divulgadas em redes sociais, fizeram interpretações descabidas de sua criação.

Os comunicadores defendem que quando uma obra de arte causa polêmica é um bom termômetro, um indicador de que os intentos do artista foram alcançados. De fato, houve dois episódios marcantes. O primeiro, um ataque deliberado de parte de um grupo evangélico fundamentalista que, ao decretar a obra como demoníaca, incitava o ódio e convocava para uma ação, um posicionamento do povo enquanto igreja para ir lá e destruir a obra, pois, para eles, aquele era um portal para o inferno, e as pessoas deveriam evitar passar por ali. 

O segundo, a acusação de que a instalação seria uma alegoria do prefeito da cidade para receber uma provável comitiva de empresários chineses, que chegariam por aqueles dias a fim de comprar as lojas falidas de empresários locais. Foi curiosa essa segunda interpretação, pois percebemos que a obra e seus sentidos estavam sendo apropriados para fazer política partidária, uma vez que estávamos em época de campanha eleitoral. 

O primeiro equívoco se desfez por si próprio quando grupos de defesa dos povos indígenas e artistas de guerrilha combateram os ataques, que não evoluíram do ambiente virtual. As denúncias que foram feitas em redes sociais levaram os religiosos a serem banidos das redes por causa da propagação de discurso de ódio. O segundo caso foi elucidado por meio de uma investigação digital feita por alguns sites quando o assunto é envolvido em crimes virtuais, como fake News.

Interessante analisar como é possível combater certos tipos de abusos que surgem e se avolumam nas redes sociais, antes que estes extrapolem esta esfera e partam para um ataque direto a um patrimônio ou à vida de artistas e ativistas.

 

Galeria de fotos

Dica: Jaider Esbell é um dos participantes do rec.tyty – Festival de artes indígenas, de 17 a 25/4/2021, online. Para saber mais, clique aqui

 


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