TANTAS-FOLHAS
Bibliotecário

O bibliotecário como curador digital: sujeito das palavras, das informações, do conhecimento científico


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Imagem: Pixabay/Licenças Creative Commons

Você já parou para pensar no volume de demandas que compõem a rotina de trabalho de um bibliotecário? Independentemente da natureza do ofício deste profissional e do nicho ao qual ele se destina, os seus desafios têm sido exaustivamente voltados às transformações inerentes à evolução tecnológica e aos impactos que esta vem provocando na difusão e no acesso à informação. E, ao falar da garantia ao acesso à informação e seus desdobramentos na cadeia processamento – análise – transformação da informação em conhecimento, o bibliotecário se vê diariamente no papel de mediar o acesso do leitor a esta informação, que é um elemento essencial aos aspectos da vida humana. 

Não podemos esquecer que estamos inseridos em uma sociedade do conhecimento, na qual o seu fundamento está alicerçado nas ações de aquisição, criação, assimilação e disseminação da informação, para que esta consiga, dentro de um contexto de aprofundamento analítico e de investigação acadêmica compor campos do saber e conhecimento científicos. E, neste contexto, encontra-se o bibliotecário como gestor informacional, responsável por acompanhar as transformações digitais.

Ao lidar com os recursos bibliográficos ou documentos textuais, sonoros ou audiovisuais em meios analógico e/ou digital, este profissional tem se deparado com as novas necessidades de comunicação digital. As transformações digitais têm redefinido as formas de acesso, garantia e divulgação da informação, assim como impactado na comunicação, na cultura e nos comportamentos decorrentes deste cenário.

Além das atualizações constantes acerca das competências e habilidades exigidas ao bibliotecário no momento atual da gestão dos fluxos informacionais, novas formas de interação passam a se destacar na rotina deste profissional da informação, apontando modos de gerir os serviços aos usuários dos espaços informacionais: bibliotecas, arquivos, centros de documentação. 

 

… o bibliotecário se depara com o seu maior desafio: o cunho “ideológico” da informação

 

Neste sentido, podemos afirmar o caráter social do papel do bibliotecário. A atuação deste profissional só passa a fazer sentido no momento em que a informação seja garantida ao usuário em sua integridade, autenticidade, de forma intuitiva e por meio do letramento informacional [1]. A atuação do bibliotecário é essencialmente a de mediação e de capacitação ao usuário do espaço informacional, para que este último desenvolva estratégias de pesquisa na internet, acesse fontes seguras de informação e conheça critérios científicos de verificação de informações contra as fake news (notícias falsas disseminadas na internet).

De acordo com Miriam Vieira da Cunha (2002), não podemos deixar de reafirmar o papel significativo do bibliotecário na sociedade. Esta professora do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina destaca que para a garantia da plenitude do caráter social da atuação deste profissional, algumas premissas devem ser destacadas: 

  1. Suprir as necessidades informacionais dos usuários dos espaços reflete na conquista básica dos direitos básicos de cidadania;
  2. Atender às demandas informacionais dos pesquisadores auxilia no progresso científico do país; 
  3. Promover o acesso aos livros e aos demais materiais da biblioteca escolar; aguçar a curiosidade pelos estudos; proporcionar novas descobertas e estimular o hábito da leitura transformam o bibliotecário em uma figura central e relevante na formação dos alunos das escolas primárias; 
  4. Assegurar a participação dos bibliotecários na definição das políticas nacionais de informação e dos projetos nacionais, como inserção nos programas de inclusão digital, tal qual o extinto Programa Sociedade da Informação [2], a fim de que se tornem presentes na elaboração de critérios de definição das prioridades deste programa, e venham a garantir a participação das bibliotecas públicas neste processo. 
Bibliotecário
Imagem: via Senai.

Nas relações estabelecidas entre o bibliotecário e os usuários dos espaços informacionais, esse profissional da informação sempre está atento aos tipos de necessidades e demandas de seus clientes. O lado mais objetivo e pragmático desta interação encontra-se na promoção do acesso à informação por meio de capacitações dos usuários tratando-se aqui da sua conexão com a usabilidade de interfaces e design.

Já o lado mais instigante encontra-se no processo de tradução das demandas dos usuários, já que o bibliotecário deve levar em consideração o grau de letramento informacional, maturidade escolar/acadêmica, repertório de vida destes indivíduos. Desta forma, o maior desafio ao bibliotecário está no ato de desvendar os processos cognitivos dos usuários e avaliar o grau de aprendizado adquirido em cada experiência. 

É neste sentido que o bibliotecário não deve ser compreendido como um mero facilitador do ato de localização de livros em uma estante, apesar desta premissa ser fundamental no planejamento básico dos serviços oferecidos pelas bibliotecas. Mas, sim como um profissional que está constantemente trabalhando o seu olhar para compreender cada vez melhor os seus  usuários dos ambientes informacionais, e contribuir no processo contínuo de formação dos leitores.

Tendo em vista que a formação do leitor exige subjetivação e não deve ser encarado como algo estanque e exato, o bibliotecário se depara com o seu maior desafio: o cunho “ideológico” da informação. A grande ironia reside no fato de que um texto, mesmo com a pretensão e uso de critérios formais e científicos, nunca poderá ser considerado isento, já que a linguagem é naturalmente carregada de subjetividade. Em função disto, o leitor deverá estar atento ao verificar as fontes de pesquisa, pois mesmo as interpretações livres em torno de resultados de pesquisas científicas divulgadas amplamente pela mídia podem levar o leitor a propagar falácias. Portanto, qualquer tipo de informação que seja extraída de veículos jornalísticos, de sites, redes sociais e, até mesmo, de pesquisas científicas, não deve ser analisada individualmente, sem o seu cruzamento aos contextos iniciais das investigações e estudos que a originaram. 

A carga de subjetividade reside justamente no fato de que o texto não depende exclusivamente do seu enunciado e do que está declarado em sentenças, mas sim, do seu encontro com o leitor. Isto é, [a leitura depende da bagagem de vida e do repertório do leitor, que será responsável ativamente pela condução do processo de interpretação do texto]. Uma vez entendido que qualquer conjunto de enunciados é provisoriamente pré-estabelecido, os leitores assumem aqui o protagonismo da relação: os enunciados só ganham forma quando interpretados por estes sujeitos e o conhecimento é gerado a partir dos cruzamentos interpretativos das informações com outros campos do saber (interdisciplinaridade). 

 

… bibliotecários devem ser compreendidos como trabalhadores do conhecimento

 

Mesmo com o desafio de desvendar os contornos da subjetividade interpretativa dos usuários dos espaços informacionais, o bibliotecário é orientado primeiramente a gerir informações de forma precisa e sob o crivo de metodologias de trabalho e critérios científicos. Desta forma, é inerente ao trabalho do bibliotecário alertar os seus leitores do fato de que existem critérios diferentes de formalização e caracterização dos gêneros textuais literários e científicos, que distinguem os conhecimentos e saberes populares e crenças pessoais do conhecimento científico.

Algo que se tornou fundamental no momento atual, no qual as fake news estão em ampla discussão e se tornaram objeto de estudo da área de Ciência da Informação, no que diz respeito aos impactos sociológicos e políticos acerca do acesso e ampla divulgação da informação digital. E, sob o mesmo ritmo, passa a exigir do bibliotecário a atualização constante de suas competências, a fim de que o habilite a lidar com os novos recursos digitais de verificação de plágios e fontes de averiguação de veracidade das informações. Neste sentido, este profissional da informação deve estar ainda mais atento ao checar as fontes responsáveis pela confecção das matérias, artigos e textos jornalísticos, privilegiando a disseminação das informações de cunho acadêmico que obedeçam aos critérios e ao crivo do método científico.  

De acordo com Maria João Amante (2014), os bibliotecários devem ser compreendidos como trabalhadores do conhecimento, dado que não estão reduzidos a guardar informação, e uma vez que participam dos processos de gestão do conhecimento das organizações das quais fazem parte. Por este aspecto, a autora reforça a imagem do bibliotecário como gestor do conhecimento, o reconhecendo por criar, armazenar, partilhar e reutilizar a informação, com o fim de gerir conhecimento de uma organização.  

Assim, destacamos o papel do bibliotecário, designado aqui como um profissional da informação, atuante na curadoria digital garantir o acesso aos bancos de dados e repositórios institucionais assim também como ser seu fomentador e como impulsionador do cenário de comunicação da pesquisa científica no país. Os esforços deste texto se concentraram na desmistificação de que o bibliotecário ocupa uma função muitas vezes tida como passiva ou imperceptível aos olhares de muitos colaboradores da mesma empresa e aos olhos dos próprios usuários nos espaços informacionais. Como estamos cada vez mais robotizados e automaticamente guiados pelos aplicativos e recursos digitais, o acesso à informação tende a parecer algo fácil e sempre presente. Por isso, a curadoria informacional se torna necessária e tem como desafio  acompanhar a dinâmica da vida contemporânea. O bibliotecário encontra-se essencialmente como protagonista deste processo de seleção e análise prévia das informações digitais, a fim de garantir ao usuário a qualificação do acesso e utilização da informação confiável, íntegra e segura. 

 

Bibliografia

AMANTE, Maria João. O bibliotecário como gestor do conhecimento: o caso dos repositórios. In: RECIIS, Rio de Janeiro, v.8, n. 2, p. 180-149, jun. 2014. 

Disponível em: <https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/17100/2/15.pdf>. Acesso em 09/09/2020.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 1, 11. ed. Brasília: UNB, 1998.1358 p.

CUNHA, Miriam Vieira da. O papel social do bibliotecário. In: Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, v.8, n. 15, p. 41-46, 1º sem. 2003. 

Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/viewFile/1518-2924.2003v8n15p41/5234>. Acesso em 09/09/2020.

GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias. Letramento Informacional: pesquisa, reflexão e aprendizagem. Brasília: UNB, 2012. 175 p.

[1]  O termo inclusão digital surgiu na década de 1990, quando da implementação do Programa Sociedade da Informação (SocInfo). De acordo com o site www.educabrasil.com.br, o extinto “Programa foi criado em 1999, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), cujo objetivo era integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia do País tivesse condições de competir no mercado global”.

[2] Ideologia entendida como uma das acepções citadas por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino no Dicionário de Política (p.595): “Na acepção particular, aquilo que é “ideológico” é normalmente contraposto, de modo explícito ou implícito, ao que é “pragmático”. E o caráter da Ideologia é atribuído a uma crença, a uma ação ou a um estilo político pela presença, neles, de certos elementos típicos, como o doutrinarismo, o dogmatismo, um forte componente passional, etc, que foram diversamente definidos e organizados por vários autores. A este uso particular ou, melhor, a este grupo de usos particulares do significado fraco de Ideologia se liga o tema do “fim” ou do “declínio das ideologias” nas sociedades industriais do Ocidente.”


O texto é parte integrante da Revista Tantas-Folhas, edição v.1, n.1 (2020)

Juliana Pereira

Há 10 anos deixou o Rio de Janeiro  para ser abraçada por Belo Horizonte. cientista social e bibliotecária, é apaixonada por metodologias educacionais criativas e  gestão de projetos culturais. Conta com a experiência na organização de arquivos pessoais; educação museológica; consultoria em GED/ECM; atendimento em biblioteca de equipamento cultural; atua como bibliotecária escolar em uma unidade da Rede SESI de Educação de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

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