Karine Bassi

Adri Aleixo, Karine Bassi, Wir Caetano | ABC: Poetas BHZ


Esta coluna será mensal e publicará informações biográficas e poemas de poetas que atendam ao menos a uma destas condições: ter nascido em BH; ter morado ou morar aqui; ter lançado livro ou feito apresentação poética na cidade. A lista é longa, vai de A a Z. A cada mês, serão postados poemas de três poetas.

Para esta postagem de estreia, foram selecionados poetas com nomes iniciados pelas letras A, K e W.

 


Ufa, que ano barra pesada!

2020 tem sido cruel com a poesia em Minas Gerais. Por aqui, ceifou a vida de três poetas, todos eles atuantes, cada um à sua maneira: Marcelo Dolabela, Roberto Soares, Adriano Menezes. Nós, do site e revista Tantas-Folhas, torcemos para que estejam reunidos, tomando umas e outras, trocando ideias e poemas em um bom lugar.


Adri Aleixo

Adri Aleixo
Foto: arquivo pessoal.

Antes mesmo de ser leitora de livros, Adri Aleixo lia o mundo e as pessoas. Começou a escrever cedo, mas publicou o primeiro livro somente em 2014, Des.caminhos.  Na infância, compunha músicas e escrevia cartas; na adolescência, teve um blog. É influenciada por poetas, prosadores e músicos. Escreve para respirar. E continua a escrever, se não sufocaria…. Atualmente, diminuiu a criação de poemas, pois tem se dedicado à sua dissertação de mestrado e à escrita de artigos acadêmicos. Para ela, tanto em tempos de calmaria quanto nessa época de pandemia, a poesia salva.

 

 3004

Enquanto estou no ônibus 
posso extrair os fios brancos da sobrancelha
Olhar de um lado
a rua
Do outro 
o Arrudas
Entre as pernas 
seu postal da Florence 
O campo de lavandas

 

Ontem vi uma foto sua no México ensinando crianças 
Outra na África empunhando bandeiras 
Sua mochila 
O All Star
e só

 

Eu nunca viajo
não tenho dinheiro 
não tenho coragem

Aprendi que de uma aldeia é possível ver o mundo 
E desde então faço associações

 

amanditas em vez de nozes
multidão em vez de mundo
resistir ao invés de residir

 

Talvez o cheiro dos meus incensos valha o perfume dos campos de Valensole

Não costumo viajar
mas hoje resolvi levar seu postal para passear entre as pernas.

 

A cheia do Arrudas

A pista que liga a Andradas ao Taquaril

é um rio

no último janeiro ela se rompeu

um homem que passava buscou na margem das águas

a infância e o campinho que havia no entorno

uma mulher imaginou-se bombeando água como fazia no passado

outra lamentava o pneu do carro destroçado no asfalto rompido

eu tentei achar o anel que perdi na serra do rola-moça

 

O pintassilgo

Eu, tão mineira querendo falar sobre o mar

o mar e a ideia do eterno retorno

dia desses me perguntaram se lá em casa havia quintal

– minha mãe criava porcos

meu pai plantava cana, eu disse

mas esse fato também não é a garantia de uma boa história.

Há uma forma indefinida pela qual passamos a pertencer a algo

assim como pertencemos a certas histórias só de ouvir contar.

A caçula chegou em casa e soube que o mais velho havia ganho um prêmio de redação

O título. O pintassilgo.

Ela mal conhecia os pássaros e de repente ouvia sobre voar no pintassilgo

essa ave que canta e dança a rodear o dia

algo como pintar o céu com suas asas 

e assim pertencer ao céu de alguém

estar livre e voltar a casa

ao ninho

como agora o espevitado pássaro fizera ali

no meio da sala.

 

As coisas aparecem sem a perspectiva de sua fugacidade

algumas, retornam

 

Adri Aleixo publicou Des.caminhos (2014) e Pés (2016), ambos pela editora Patuá. Em 2017, publicou e distribuiu a plaquete Impublicáveis. Em 2019, publicou Das muitas formas de dizer o tempo, com imagens de Lori Figueiró, pela editora Ramalhete. É professora de Linguagens e mestranda em Literatura Brasileira pelo CEFET-MG. Poemas de Adri Aleixo podem ser lidos também em Jornal Rascunho, Suplemento Literário de Minas Gerais, MallarmargensLiteratura Brrevista Gueto, Revista Caliban.

 

Karine Bassi 

Poetas
Foto: arquivo pessoal.

Karine escreve desde os 13 anos. Seu primeiro conto foi premiado na Escola Estadual Dr. Aurino Moraes, onde estudava. Continua a escrever por sentir a necessidade de dar vez e voz a personagens subestimados na literatura. Esta é uma forma de ela própria se colocar no mundo, é sua arma contra o sistema opressor. É influenciada por autores contemporâneos quase sempre à margem do “mercado”, em especial, escritoras negras: Esmeralda Ribeiro, Elisa Lucinda, Geni Guimarães, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo. Também se inspira em escritores que são do seu convívio diário: Joi Gonçalves, Pieta Poeta, Leandro Zere, Thamara Selva, Zainne Lima da Silva, Dalva Maria Soares, José Falero. 

 

Ossos do ofício

do farrapo que me veste

eu, maltrapilho traste

procuro saciar a sede

em dois copos de plástico

 

e é místico

 

ver como me encaixo

na estatística

de que

dois corpos deitados

ocupam o mesmo espaço

 

dividindo a rua

a sorte não vem da direita

 

tampouco a esquerda

tem tampado os buracos

no dente

o resto que

pra minha sorte

tem me alimentado

 

do traste que me veste

insisto que sou farrapo

e se não me cubro com plástico

 

me culpo

 

pelo copo

quase nunca matar minha sede

 

de um corpo que resiste

e que quebra uma teoria

ao ser estatística.

 

Poasia

era tão doce
em seus discursos de amor
que me embrulhava o estômago.
me curei da paixão com a receita de vó:
chá de boldo.

 

Classe Trabalhadora

Em cada morro
Um casebre
E em cada casebre
O bendito ventre-
De várias Marias
Onde habita a crença ferrenha
Num novo dia,
Pelo brilho da Lua.

Em cada mão cheia de calos-
Crescidos
Pela trouxa de roupa na bica
Pela louça suja da madame
Por um pão com salame
Vala estreita
Onde o arranhão na perna arde
Pelas correntes-
Travestidas de liberdade.
Para cada quitanda atrasada
Duas ou três faxinadas.
E em cada um destes instrumentos
O gosto do seu alimento.

Em cada chão grosso
O piso pros pés
Delas,
Malditas Geni’s
Que através do consenso
E da união
Transformam o seu martírio
Numa trilha
Num afago
Numa filha
Num trago
No rasgo do abstrato
Na costura do céu
No troféu
No alivio.

Em cada gota de suor
O sustento
E em cada carquilha-
Da velha Maria
Um ensinamento.

 

Karine Bassi é poeta, contista, slammer, feminista e ativista das causas sociais. Educadora social por opção e professora de Biologia por graduação na Universidade do Estado de Minas Gerais / UEMG. Na região do Barreiro, onde mora, ministra oficinas de zine, estêncil, escrita criativa e intervenções corpoesia. Como articuladora do ColetiVoz, promove ações socioculturais em Belo Horizonte, a partir do projeto “De quebrada pra quebrada”. É idealizadora e produtora editorial na Editora Popular Venas Abiertas. Também compõe a equipe do Observatório de Políticas Públicas pela Sustentabilidade, projeto permanente da Universidade do Estado de Minas Gerais. Tem seis livros publicados.

 

Wir Caetano

Wir Caetano
Autorretrato

Wir escreve desde os 14 anos. Não se recorda de nenhum verso do primeiro poema, que falava da tarde, mas não se esqueceu do suporte em que foi escrito: papel pardo de um bloco de rascunho. Aos 17 anos, escreveu coisas das quais se lembra e gosta, eram letras de música. Só aos 19 é que voltou a escrever poemas e, aos 22, publicou o primeiro livro, Paixões e Atrofias. Escreve por necessidade interna. Se seus escritos não mudam o mundo para melhor (como gostaria), acredita que fazem diferença para alguns leitores. Considera que sua poesia é mais impactada por prosa de ficção e cinema. Aprecia obras de Henry James, Osman Lins, George Bataille e do cineasta Rainer Werner Fassbinder. Poesia não salva. Porém, poesia boa, como toda grande arte, nos ajuda a respirar.

 

Mapas

os mapas secretos das cidades

não vazaram todos pras pessoas

moradores

migrantes

 

os mapas das cidades

mostram acessos

não mostram as saídas de emergência

 

não mostram os pontos 

de fuga

 

como 

sair para respirar? 

 

vazassem os mapas secretos 

as pessoas ficariam confusas 

cidades e pessoas ficariam confusas 

 

confusas 

certas coisas aconteceriam 

 

por exemplo:

 

Moreno como vocês

grileiro

miliciano

este brasil brasileiro

 

abriga acima de tudo

rejeitos de ossos humanos

 

grileiro

miliciano

este brasil brasileiro

 

celebra acima de tudo

um deus sentado em dois canos

 

grileiro

miliciano

este brasil brasileiro

 

patriarca em cima de tudo

destila amianto e ranho

 

Será meu este poema?

A tv fala que a chuva

dizem as cartas: você ficará viúva

Não, nós não somos casados

Nunca nos encontraremos

Nunca teremos um caso

Você nunca está em casa

Uma mulher de negócios

Uma cidade com carros

É sempre meu cemitério

A terra não é minha casa

Astronauta, passaporte

 

Wir Caetano mora em João Monlevade (MG), onde nasceu em 1960. É jornalista, fotógrafo, escritor e letrista de música. Publicou os livros de poemas Paixões e Atrofias (1982), Fragmentos de Poesia Toda (Coleção Leve um Livro, 2017) e Essa substância chamada infinito (Clãdestina Cartonera, 2018); em ficção, Morte Porca (Selo Zero, 2002). Edita o blog Nota Preta, voltado, principalmente, para questões étnico-raciais e cultura urbana.

 


O texto é parte integrante da Revista Tantas-Folhas, edição v.1, n.1 (2020)

Paulo Vilara

Graduado em História, jornalista, autor dos livros Manhãs com pássaros – Exercícios de síntese (2015); Jazz! Interpretações – Pequenas histórias de fúria, dor e alegria (2011); Palavras Musicais – entrevistas (2006); Congresso Internacional da Bicharada (1996). Tem textos publicados nos livros Os filmes que sonhamos (2011); Histórias da Rua da Bahia e da Cantina do Lucas (2002); Presença do CEC – 50 anos de cinema em Belo Horizonte (2001) Cinema em palavras (1995). Dirigiu documentários: Mil sons geniais (2004) ; Guignard - A educação do olhar (1996); Cataguases - Um olhar na modernidade brasileira (1988); Dona Izabel - A magia da criação (1985); Carlos Chagas. O passado presente (1981). Ver mais Bibliografia Paulo Vilara. Foto: Pedro Kirilos.

3 thoughts on “Adri Aleixo, Karine Bassi, Wir Caetano | ABC: Poetas BHZ

  1. Muito generoso este espaço poético aberto para os jovens poetas de Belo Horizonte!!! Parabéns, Paulo por incentivar a poesia na nossa cidade.

Comentários