Revolta Urbana – Mais rápido que um Flash
Roberto Márcio da Fonseca, cujo nome religioso é Hari Charãn, participou das primeiras formações de dois grupos fundamentais do rock de BH no início dos anos 80, Sexo Explícito e Divergência Socialista, a convite do poeta e dadamídia Marcelo Dolabela, com quem compôs alguns clássicos, como “No No Nuke”, “Colt 45”, entre outras canções. Não ficou por muito tempo nesses projetos, e seguiu seus próprios caminhos, criando a banda Revolta Urbana com companheiros da favela Cabana do Pai Tomás, tocando, em dezenas de shows, canções de sua própria autoria, e eventualmente algum clássico do punk rock brasileiro, como “Garotos do subúrbio”, dos Inocentes. Infelizmente, não tiveram a oportunidade de fazer gravações, e perderam importantes registros fotográficos do grupo. Aliás, essa precariedade caracterizou a própria onda punk, em geral, e faz com que até hoje a história do rock no Brasil apresente muitas lacunas quanto a esse gênero ou estilo, particularmente em BH. Neste caso, exceto pelo trabalho do também pesquisador e agitador cultural Marcelo Dolabela, que manteve um programa só com punk rock alternativo na antiga Rádio Liberdade FM: “Rock Molotov”.
Jair Tadeu Fonseca.
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Punk, uma moda? Uma forma de música? Espelho, reflexo da vida de exclusão, pobre e violenta. “Punk é um despertar na lixeira!”. Quando Joe Strummer, já sem o Clash, numa apresentação dos Mescaleros, usa uma camiseta com a inscrição “Get Ready”, ele mostra claramente o sentido disso tudo, uma orientação ideológica-militante, que percebemos em várias bandas: as letras e a postura de Jello Biafra (Dead Kennedys e Guantánamo School of Medicine), Bad Religion e várias outras. Não um militante partidário, ele simplesmente resiste ante as mazelas de seu entorno. Ele “milita” pelas sombras, pelos becos e vielas. Punk sem este sentido militante, é só um espantalho. Mudar o mundo, fazer a revolução, claro…………. que não, mas a realidade ao ser retratada não pode ser maquiada, nem pode ser ofuscada pela sombra de metáforas muitas vezes enganosas.
Percebi a distância entre escrever, falar de miséria, violência e exclusão, e viver isso todos os dias do ano. Somente quem padece ante esta realidade saberá as extensões dela!
Jair (O Último Número) me ligou falando ter visto alguns punks, num show de rock, numa praça, no Nova Cintra, em 1983, e com esta dica fui parar no Cabana do Pai Tomás. Passei a perceber um mar de gente, pra lá e pra cá, ninguém me notou como estranho, ninguém me ameaçou, fui advertido de que o Cabana era barra-pesada!
Fiz amizade com Geraldo, Serginho e Zito, e estava formada a primeira célula do Revolta Urbana, depois entraram Antônio Negão, Tcheco e Fernando. O Zito saiu e formou o Camboja, hard-core 100% Cabana. No começo de tudo, era violão pelos becos e ruas do Cabana. Pinga com groselha (ruim demais) e violência policial eram comuns nos fins de noite. Percebi a distância entre escrever, falar de miséria, violência e exclusão, e viver isso todos os dias do ano. Somente quem padece ante esta realidade saberá as extensões dela!
No Cabana tinha um grupo de metaleiros barra pesada, Os Fúrias da Noite, na verdade eram punks cabeludos, logo se identificaram e passaram a acompanhar o Revolta, tipo tropa de choque. Algumas vezes cercavam a mesa de som e faziam uma ligeira pressão para evitar boicote na qualidade do show.
Tocar na periferia teve suas peculiaridades. Numa apresentação na Discoteca 2001, mais conhecida por “Fornão”, a banda levou geral da polícia, antes de todos. Levar cano em cachê e ter que recorrer a expropriação de equipamento de palco. O mais importante foi ter feito um som pesado, mas com voz audível, pois todos que gostaram falaram das letras que foram entendidas. O som da banda nunca foi um “puro punk”, era uma colcha de retalhos, com várias influências. O importante era chegar nas pessoas de forma clara, sem rodeios.
Atualmente um grupo vem usando o nome e algumas músicas do Revolta. Mesmo nas “melhores famílias” a mediocridade aparece!!!
Dedico este texto à memória do Serginho, primeiro punk com quem tive contato no Cabana, de Antônio Negão, guitarrista do Revolta e Marcelo, baterista do Camboja.
Será que vale a pena viver ?
Viver num mundo lixo respirando poluição
Sendo tratado como bicho, acorrentado e sem ação
Levando a vida na miséria, robotizado e sem futuro
Odiado pelo semelhante, imprensado contra o muro.
Será que vale a pena viver ? 4X
Sub-ser esfarrapado mendigando pelas ruas
Desprezado e maltratado, paga uma pena que não é sua
E há pessoas que fecham os olhos, fingindo nada ver
É desculpa de um covarde, que tudo de ruim quer esquecer
Apagar da lembrança a desgraça que ele herda
Esquecer que ele também está na merda
Será que vale a pena viver? 4X
Nosso futuro é destruído por cabeças criminais
Que transformam o ser humano em cobaias anormais
Fogo na floresta, veneno nos rios, o objetivo é só lucrar
Dando vazão a uma ânsia de destruir, ferir, matar
Será que vale a pena viver?
(Letra, música e canto – Roberto Márcio da Fonseca)
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Então, eu fui vocalista, em 2 ocasiões, eu acho, da banda Camboja. Junto com o Zito e o Marcelo e o Serginho (outro) no baixo.
És tu, lelu??
Obrigada pela homenagem. Sou Raissa, filha do Marcelo. Saudades eternas dele.
Esse programa o “Rock Molotov” era sensacional! Será que existem áudios desse programa?