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Cabaré Mineiro

Cabaré Mineiro: era uma vez… | LadoBeagá


Cabaré Mineiro
Cartaz criado pelo poeta Marcelo Dolabela, especialmente para este show no Cabaré Mineiro. Imagem extraída do Grupo MD, no Facebook.

Em abril de 1985 nascia em Belo Horizonte uma casa noturna chamada Cabaré Mineiro.

O release de apresentação para a imprensa brasileira dizia assim: “Quem estiver de passagem pela capital mineira depois do dia 12 de abril e notar ao cair da tarde pequenas multidões rumorosas caminhando na mesma direção, não deve se espantar… E, se for esperto, o visitante deverá seguir os tais passos. Afinal, desde então, as vidas noturna e cultural de BH terão ganho um mesmo e único endereço: Rua Gonçalves Dias, 54. Lá, em plena Savassi, a região mais badalada da cidade, o intrépido trio formado por Wagner Tiso, Cláudio Rocha e Tadeu Rodrigues construiu um sonho em comum: o Cabaré Mineiro, o espaço que faltava ao sedento público local….”

Fiz parte dessa história. No princípio daquele ano (1985), atuava como colaboradora do jornal Estado de Minas e as entrevistas na área musical eram assunto recorrente. Minha vida um agito só. E quando Tadeu Rodrigues e Cláudio Rocha me convidaram para fazer a divulgação do novo espaço cultural da cidade, aceitei na hora. Substituí Tutti Maravilha, que desistiu por causa de compromissos na vida de comunicador de Rádio e TV.

 

Quem viveu naquele período, sabe do que estou falando.

 

O espaço já estava em plena construção: o Cabaré Mineiro seria erguido em terreno alugado por determinado período. E ali surgiu uma casa em três níveis: o ponto de encontro, o salão e o mezanino, totalizando 912m² de área construída para 600 pessoas.

O acesso para o público era pelo nível intermediário, onde ficavam o bar-balcão com banquetas e mais dez mesas com painéis iluminados informando a programação da semana. Ali ficavam a copa, cozinha, vestiário dos funcionários e almoxarifado.

No nível superior, com capacidade para 30 mesas, estavam a cabine de som, iluminação e projeção, e a sala da administração.

No piso inferior, o palco de 8 x 4,5m, com possibilidade de acréscimo. O salão, com 60 mesas, podia ser transformado em pista de dança ou plateia.

Cabaré Mineiro
Foto: Marcilio Gazzinelli (via Tadeu Rodrigues).

No lugar de garçons, as ‘cabaretes’, uma atração à parte. Com cartelas individuais, cada um podia entrar e sair sem se preocupar em deixar o dinheiro com aqueles que ficavam nas mesas. Já naqueles idos, o cartão ia para o computador e em segundos fornecia o valor total das despesas.

Um prédio amarelo ouro, vermelho mandarim e azul del rey, foram as cores encontradas por Marcelo Xavier e Mário Vale (Oficina Mágica) para dar ao local o ar de um autêntico cabaré. A leitura era moderna e sem saudosismo. O projeto levou a assinatura do arquiteto Milton de Castro.

A inauguração foi, sem dúvida, uma loucura sem igual: a frente da casa não ficou pronta. Os pedreiros atuando e a multidão chegando… Lá dentro, eu, com a lista dos convidados, ia conferindo quem era quem. As 600 pessoas previstas já chegavam a umas 700, 800, sei lá. Era tanta gente brigando para entrar que comecei a passar mal. Literalmente. Tive que sair dali e nem assisti ao primeiro show apresentado no Cabaré Mineiro. Olha só o que perdi: Wagner Tiso e Tunai! Só me lembro do cansaço que senti naquela noite. Pensei que não daria conta de levar aquele acúmulo de funções adiante.

Cabaré Mineiro
Foto: Marcilio Gazzinelli (via Tadeu Rodrigues).

Quem viveu naquele período, sabe do que estou falando. Os que chegaram agora, com certeza, não conseguirão imaginar o que foi o Cabaré Mineiro: Wayne Shorter, Wynton Marsalis, Joe Pass, Toots Thielemans, Marisa Monte, Moraes Moreira, Luiz Melodia, Nana Caymmi, Eduardo Dusek, Cida Moreira, Ed Motta, Cássia Eller, Cauby Peixoto, Nara Leão, Adriana Calcanhoto, Belchior, Jorge Ben, Amelinha, Angela Maria, Pena Branca e Xavantinho – com participação especial de Milton Nascimento –, Marco Antonio Araújo, Uakti, Lô Borges, Beto Guedes, Sylvia Klein, Paula Santoro, Titane, Paulinho Pedra Azul, Toninho Horta, Tavinho Moura, para citar apenas alguns artistas dos muitos mais que se apresentaram lá.

Paulo Santos – do grupo Uakti – era o responsável por fazer contato com os artistas, através de duas casas noturnas do Rio: Mistura Fina e People. Certa vez, ele não pode ir ao Rio e lá fui eu fazer os contatos em seu lugar. Levei contratos para o Wagner Tiso assinar e fui às duas casas assistir a shows para ver a possibilidade de uma parceria. Era um trabalho divertido e rico.

Além de atuar no Cabaré Mineiro, trabalhava dois horários e minha vida se tornou uma loucura: dormia pouco. Um cansaço absurdo me transformou em uma pessoa cansada, cansada, cansada. Toda semana escrevia textos e entrevistava artistas que iriam se apresentar ali, entregava o material para o Victor de Almeida e depois para o Ramon Fiuza, que iam entregar os releases para os jornais da época: Estado de Minas, Diário da Tarde, Jornal de Casa, Diário do Comércio, Jornal de Domingo e para as rádios Del Rey, Inconfidência, Alvorada, Geraes, 107, Rádio Guarani e Cultura. Ufa! Era uma vida muito agitada. Depois da inauguração, fiquei mais quatro meses trabalhando lá, mas tive de abrir mão da minha função.

Depois de tanto tempo, ao relembrar o Cabaré Mineiro, segue registrado na memória o sonho que vi o Tadeu – que era dono da Cervejaria Brasil – em uma madrugada qualquer nos levar a um terreno vazio e ali ele nos disse: – Aqui vai nascer um Cabaré! 

Pensei que era conversa de boemia. Não era.


O texto é parte integrante da Revista Tantas-Folhas, edição v.1, n.1 (2020)

Malluh Praxedes

Natural de Pará de Minas, Malluh Praxedes é escritora, jornalista e produtora cultural. Publicou 19 livros autorais: poemas, contos, crônicas e um quase romance. Com o poema “Mea Culpa” recebeu o Prêmio Alfonsina Storni, na 9ª. Fiesta de La Poesia Latino-americana, organizada pela Fundação Givré, em Buenos Aires, Argentina. É membro da Academia de Letras de Pará de Minas. Tem 21 canções em parceria com o compositor Renato Motha. Integrou a equipe que criou o BDMG-Cultural (1988), idealizando e coordenando diversos projetos, com destaque para os prêmios BDMG-Instrumental e Jovem Instrumentista BDMG. Foto: Pablo Praxedes.

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