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Claquete de caixas de leite

Luz, Câmera, Educação! | Cinema na escola por Thalitha Chiara


Claquete de caixas de leite
Claquete de caixas de leite. Foto: Thalitha Chiara.

Uma abordagem complexa do cinema através do olhar da infância, na criação de atividades lúdicas e em como podemos transcender nosso relacionamento com os filmes

Quando você pensa em cinema, qual é a primeira coisa que vem à sua mente? Talvez você tenha pensado nos filmes exibidos na Netflix ou no ator Leonardo DiCaprio, na premiação do Oscar ou em alguma cena incrível do seu filme favorito. Ou pode ainda ter se lembrado das amadas salas de cinema que agora estão fechadas por causa da pandemia (uma das tristezas entre as tantas atuais). Existem muitas maneiras de ver, ler e de pensar cinema. Como arte, como mercado, como cultura, como linguagem, entretenimento, registro histórico, infinitas possibilidades.   

Por isso, quando penso em cinema, penso em complexidade. 

Filmes e aprendizagem…. Parece natural que relacionemos os dois quase que instintivamente, mas o diálogo entre artes, linguagens e saberes possui uma química específica, determinada essencialmente pela identificação de um propósito. Nesse sentido, alguns caminhos especiais me levaram a entender o mundo dos filmes um pouco além da sessão da tarde, com uma percepção mais ampla, pela transformação coletiva através do imaginário, no aprendizado lúdico atemporal e assim pude testemunhar o conceito de complexidade em ação. Comecei a ler cinema de uma maneira nova e muito inspiradora que gostaria de compartilhar aqui com vocês.

 

Só de dizer “Luz, câmera, ação! ”, essas três palavras que uso como jargão para pedir silêncio e atenção, apenas com esse movimento, é possível ver uma grande mudança na atmosfera e nosso estúdio começa a nascer na sala de aula.

 

Hoje, percebemos o cinema e a educação como uma educomunicação, porque todas as artes estão interconectadas no propósito fundamental desta linguagem, que é a comunicação. Podemos trabalhar com diversos elementos dentro do cinema e transcender o senso comum em sala de aula. Sempre trabalhei com crianças e adolescentes e tive o privilégio de vivenciar experiências às vezes sutis no jeito das crianças mexerem com as perspectivas às vezes grandiosas na explosão das cognições espontâneas, tão contagiantes, como condutores mais puros para a inspiração. 

Só de dizer “Luz, câmera, ação! ”, essas três palavras que uso como jargão para pedir silêncio e atenção, apenas com esse movimento, é possível ver uma grande mudança na atmosfera e nosso estúdio começa a nascer na sala de aula. Os pequenos cineastas têm o coração aberto, sede de conhecimento e aventura, e eles conseguem facilmente enxergar o cinema fora da estrutura de um filme. Porque o filme é o emblema da linguagem, mas ela dialoga com tudo o que existe. Nós podemos encontrar o cinema em qualquer lugar, principalmente se observarmos cautelosamente sua evolução histórica. 

Desde o tempo das cavernas, quando as histórias nasciam da luz e da sombra, até a acessibilidade do YouTube e do TikTok, o ser humano sempre projetou seus sonhos através de diferentes técnicas e tecnologias e esta é a essência deste universo, a habilidade de criar qualquer coisa que a imaginação proporcionar e poder assistir essa coisa ganhar vida. 

O mundo da sétima arte sempre favoreceu a abstração e o sonhar acordado. Porque, como disse uma vez o diretor Orson Welles, “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho. ” 

Esse fluxo interliga infinitos saberes, significados e mensagens e na formação humana foi a nossa primeira escola virtual, desde o início do século XX, registrando ou reproduzindo culturas e realidades, causando impacto em nossas percepções, explorando as fronteiras do universo audiovisual. O cinema é poderoso e pode ser até perigoso, porque ele tem acesso livre ao nosso íntimo, como um tipo leve de hipnose, nós apreciamos ao mesmo tempo em que somos transformados, encantados, emocionados, questionados, surpreendidos e educados.

Assistir a um filme é uma ação de grande impacto em sala de aula e pode ser uma ferramenta complementar valiosa, mas explorar o universo do cinema pode ser também uma porta para a criação de um relacionamento acessível e altamente produtivo como estratégia didática. A educomunicação está essencialmente alinhada aos conceitos e diretrizes da Base Nacional Curricular Comum, a BNCC (documento que define as aprendizagens essenciais, aquelas que toda criança tem o direito de aprender, durante toda a Educação Básica) e a abordagem didática do cinema é comumente ligada ao uso da apreciação cinematográfica mesmo no panorama mais atualizado da educação em nosso país e no mundo. 

 

Criar com o cinema uma plataforma lúdica para colocar as cognições em prática.

 

Mesmo assim, existem escolas visionárias e dinâmicas que fazem com seus alunos uma verdadeira imersão neste universo em sua programação, utilizando teatro, artes plásticas, fotografia e estudos históricos que habitam no cinema para combinar o exercício de suas competências e habilidades com o contexto desta linguagem.

É exatamente este o sentido do meu trabalho em todos esses anos. Criar com o cinema uma plataforma lúdica para colocar as cognições em prática. Foi assim que procurei desenvolver um tipo de sistema para refletir uma linha do tempo em que os alunos possam se apropriar do cinema em sua essência, não apenas como audiência, mas também de uma maneira atuante e criativa, por meio de atividades e brinquedos sustentáveis que representam a sétima arte dentro do universo infantil e juvenil.

Criando um relacionamento pedagógico com o cinema

Tudo começa com a apresentação do cinema como um velho amigo, com quem podemos dialogar, muito fácil de entender e dominar e nesse caminho nós pensamos juntos em luz e sombras, ilusão de ótica, roteiro e storyboard, animação, stop motion, entre outras várias tecnologias mais manuais e interativas que possibilitam a criança e o jovem a se apropriarem das raízes desta arte e de suas estruturas básicas de comunicação.

Um exemplo de uma atividade é o “Teatro Mudo”. Apresento para os alunos um pouco dos filmes mudos e como eles exibem diálogos e informações por escrito na tela porque não podemos ouvir as vozes dos atores. Eles então recriam esta estrutura em um pequeno teatro, utilizando placas de cartolina com diálogos escritos por eles. Essa atividade aborda estilos de narrativa, redação, expressão corporal, pensamento linear, comunicação não verbal, entre outros conceitos, e pode ainda estar relacionada ao conteúdo programático do ano letivo. É possível extrair cinema de diferentes disciplinas e vice-versa. Na estrutura dos filmes podemos encontrar várias conexões entre os componentes curriculares e as tecnologias e signos presentes. Podemos identificar estas conexões em determinadas cenas, na música, no figurino, as possibilidades são amplas, mas é preciso exercitar o olhar e determinar um propósito. É preciso ler o cinema de uma forma diferente.

 

Quanto mais livre a abordagem e maior for o carinho com o contexto histórico da linguagem, mais engajamento brota entre os alunos, maior é o entusiasmo e surpreendente a produção dos resultados.

 

Este olhar permite a utilização de elementos discretos como legendas e dublagem, por exemplo, de uma forma ousada e divertida. Imagine pensar coletivamente em como funciona uma tradução e criar traduções em formato de paródias, com atores conversando sobre assuntos matemáticos ou sobre as aulas de Educação Física. O professor pode falar sobre como a tecnologia hoje consegue colocar o rosto de qualquer pessoa no corpo de um ator em uma cena famosa, ou dar movimentos impressionantes para fotografias antigas, criando expressões faciais naturais e impressionantes.

Quanto mais livre a abordagem e maior for o carinho com o contexto histórico da linguagem, mais engajamento brota entre os alunos, maior é o entusiasmo e surpreendente a produção dos resultados.

Um olhar Mágico: a história do cinema para crianças

Foi no sentido de ampliar o alcance desta visão que escrevi meu livro, para levar este sistema em forma de poesia rimada e ilustrações cativantes além das fronteiras físicas, até mesmo a outros países, com a versão dele em inglês que terminei no final do ano passado. Todas estas ações têm o objetivo de desmistificar o cinema como um produto a ser consumido para entretenimento ou como objeto de estudo de cinéfilos e até mesmo sofisticado material de erudição, para ser também brinquedo, brincadeira, expressão e um portal acessível para a criatividade.

A internet tornou a audiovisual parte de nossa rotina, com as facilidades dos aplicativos, jogos e das redes sociais, mas uma consciência mais lúcida sobre o cinema faz com que possamos entender a produção audiovisual com maior consistência em todas as mensagens que estamos transmitindo e recebendo, com suas possibilidades estéticas, filosóficas e sensoriais.

Minha primeira experiência ensinando desta forma foi no terceiro setor, trabalhando com projetos sociais, sempre com ações simples e materiais acessíveis e sustentáveis para criar uma nova dimensão de estudo, e essa é outra questão muito relevante na abordagem complexa. Explorar intensamente a acessibilidade e a sustentabilidade em um universo geralmente associado a um status de glamour e sofisticação. Acredito na manutenção de uma estética consistente através da adaptação embasada por pesquisas cuidadosas no preparo das aulas. Não apenas sobre cinema, mas também sobre artesanato educativo, brinquedos didáticos feitos em casa e todo tipo de produção que possa ser adaptada ao contexto cinematográfico.

Foi mais ou menos assim que tentei fazer uma claquete feita com caixas de leite e também fiz pequenas lanternas mágicas feitas com caixinhas de chá de papelão e fita adesiva. Misturei referências e peguei o que tinha em casa. Assim a gente vai criando miniaturas, brinquedos óticos, todo tipo de artefatos interessantes. Existem muitas sugestões e possibilidades boas em festas de aniversário temáticas, porque elas transformam filmes em lembrancinhas e nós podemos fazer o mesmo, mas com informações didáticas e propostas educativas.

O cinema na educação brasileira

Thalitha Chiara apresenta livro
Thalitha Chiara apresenta o livro Um Olhar Mágico em sala de aula. Foto: Thalitha Chiara.

Com o lançamento do meu livro pela editora Chiado, muitas escolas entraram em contato comigo para apresentar suas experiências e criações inspiradas pela minha obra e isso expandiu horizontes muito além do que eu poderia jamais imaginar. A sede de alguns profissionais da educação por referências nesta área é admirável e o resultado realmente comprova que o que mais falta em nosso país é apoio. Porque nós possuímos profissionais fortes, resilientes, criativos e que exploraram meu livro com muito amor e originalidade.

Um exemplo belíssimo foi o trabalho que o SESI de Belo Horizonte (unidade Emília Massanti), realizou em 2018, com abrangência multidisciplinar em diferentes idades e com a utilização de vídeo aulas muito antes da tendência atual, combinadas a leituras de livros relacionados e Mostras de Cinema, entre outras atividades. Um pouco antes, em 2016, o colégio Marista Champagnat, em Ribeirão Preto, criou atividades com teatro de sombras e uma adaptação teatral do filme “O Mágico de Oz”, que também foi adaptado, mas numa versão Hip Hop na AMDEM (Associação Mogicruzense para Defesa da Criança e do Adolescente), em Mogi das Cruzes.

I mostra de Curta-Metragem Independente do colégio SESI Emília Massanti (2018), Belo Horizonte.

As atividades com cinema estão crescendo e florescendo em todas as regiões do país, com professores que criam cerimônias do Oscar, que imaginam aulas inspiradas em filmes, com escolas que levam seus alunos ao cinema e permitem que a infância guarde esta lembrança de poder compartilhar com os amigos a sensação inigualável de torcer por seus heróis na tela grande, ser inundado pela trilha sonora reverberando pela sala inteira e embarcar numa jornada intensa sem sair da poltrona. Agora com a pandemia, infelizmente, esta linda experiência precisou ser adiada juntamente a tantos planos que precisaram ser adaptados por causa da nova realidade.

Mas o pulsar criativo continua… agora com o domínio do ambiente digital, com o cinema que cabe no bolso, em poucos segundos, às vezes num meme, com a edição de imagens ao alcance de um toque, na ponta dos dedos. O cinema e a educação estão em uma constante simbiose marcada por um propósito em comum, a comunicação. E a consistência intelectual atinge sua apoteose mais charmosa quando refletido pelo brilho das estrelas. Com a inocência dos sonhos protegida pela escola, incentivando sempre corajosas mensagens, eternizando o que há de melhor para as futuras gerações.

Fico pensando no que Charles Chaplin diria de tudo isso. Bem, acredito que ele não diria nada e ficaria apenas sorrindo, repleto de emoção.

 

Nota: As imagens foram fornecidas pela autora do texto.

 

OO texto é parte integrante da Revista Tantas-Folhas, edição v.2, n.2 (2021).

 


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Thalitha Chiara

Autora do livro “Um Olhar Mágico – A História do Cinema para Crianças”. 20 anos de experiência com Educomunicação para crianças e adolescentes, na criação e desenvolvimento de projetos com Cinema e Educação, em São Paulo. Trabalhou na 16ª e 17ª edições do Festival Anima Mundi. Foi coordenadora regional do Dia Internacional da Animação por quatro anos. Trabalhou no Programa Social “Vá Ao Cinema”, realizado pelo Governo do Estado de São Paulo e Appa (Associação Paulista Amigos Da Arte) e em workshops e palestras de capacitação para professores e alunos de graduação. Atualmente, desenvolve projetos especiais para a rede de Cinemas Circuito de Guarulhos SP, com projetos alinhados às orientações da BNCC.

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